Este Blog destina-se à divulgação de trabalhos, notícias e outros textos relativos à toponímia das artérias de diversas localidades, nomeadamente de Loulé e da restante região do Algarve. Pretende-se assim, através da toponímia, percorrer a memória das ruas, largos, avenidas, ingressando na história e património das urbes.


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Praça Dr. João Lopes Dias – Alcoutim

O Município de Alcoutim prestou ontem homenagem a um ilustre filho da terra, João Lopes Dias, através do descerramento de uma placa toponímica, que perpetua o seu nome numa praça da vila.

Descerramento da placa toponímica

Desta forma, a praça central do Bairro do Rossio, até à atualidade sem denominação oficial, passou a denominar-se Praça Dr. João Lopes Dias, topónimo aprovado por deliberação da Câmara Municipal de 25 de julho de 2012.

No ano 2007 a autarquia de São Brás de Alportel havia igualmente homenageado este médico, atribuindo o seu nome a uma rua da vila, por deliberação de 27 de março.

João Lopes Dias

Na noite de 5 de setembro de 1932, numa casa da Rua Miguel Bombarda (antiga Rua Direita) na vila de Alcoutim, nasce o segundo filho do casal João Francisco Dias e Maria Cecília Lopes Dias, a quem é dado o nome de João.

O progenitor, natural da freguesia de Odeleite, concelho de Castro Marim, recém licenciado, ocupa desde o dia 30 de junho o lugar de médico municipal interino do concelho. A mãe, natural do concelho de Carregal do Sal, tem ocupação doméstica, dedicando-se principalmente à educação dos filhos. 

O pequeno João é registado na Conservatória do Registo Civil de Alcoutim com quatro anos de idade, a 22 de fevereiro de 1937, sendo padrinhos o tio paterno Francisco Dias Cavaco, estudante de medicina em Coimbra e a avó materna Elisa Augusta Dionísio Lopes, os quais são representados por procuradores.

A infância passa-a no ambiente rural que caracteriza a vila de Alcoutim, rodeado de amigos. Entretanto a notoriedade do pai, como médico-cirurgião, difunde-se para lá dos limites territoriais do concelho de Alcoutim, atraindo à vila gente de terras longínquas, desde todo o Algarve, ao resto do país e da vizinha Espanha, em busca de cura para as suas enfermidades. Este, para além das aptidões profissionais, possuí igualmente um elevado carácter humanista, sendo sobremaneira altruísta e generoso. 

Através do convívio com esta realidade, João Lopes Dias constrói a sua personalidade, moldando-se às vivências e experiências que adquire, mantendo sempre as suas ideologias ao longo da vida. 

Frequenta o ensino primário em Alcoutim e após a conclusão deste ruma a Faro, ingressando no Liceu. A sua adaptação à vida na capital algarvia é célere, integrando-se no espírito académico e participando assiduamente em convívios de estudantes. Demonstra-se igualmente um bom aluno, com a ambição de seguir a carreira do pai e ingressar em medicina.

Neste período, sempre que lhe é possível e principalmente durante as férias escolares, desloca-se a Alcoutim, nutrindo uma verdadeira paixão pela terra que o viu nascer. A 4 de julho de 1948, com o seu irmão Fernando e outros alcoutenejos, funda o Grupo Desportivo de Alcoutim, ao qual preside (1954/55). Através daquela agremiação, é um dos responsáveis pela organização de festejos destinados a ações de beneficência, que decorrem em 1950 e 51, precursores das festas de Alcoutim.
João Lopes Dias na
queima das fitas

Terminado o ensino liceal, entra na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, no curso de medicina e cirurgia. A ida para aquela cidade universitária abre-lhe novos horizontes e perspetivas sobre a sociedade, tomando consciência das diferenças sociais e das carências com que a população de Alcoutim se deparava, relativamente à de outras zonas do país.

Em dezembro de 1961 decorre o seu enlace matrimonial com Maria Victoria Abril Cassinelo, em Rojales (Alicante – Espanha), de onde a noiva é natural. Filha do médico Francisco Abril, que exerce clínica em Sanlúcar de Guadiana, tem vinte e cinco anos de idade. O casal tem posteriormente três filhos, João (1962), Maria Teresa (1967) e Francisco (1972). 

Após a licenciatura, concluída a 20 de outubro de 1962, decide regressar a Alcoutim, de modo a tentar colmatar a ausência de seu pai, que havia falecido em 1955, iniciando o seu mester. 

Depara-se de imediato com enormes dificuldades no exercício da sua profissão. O isolamento a que está sujeito o concelho e a carência de infraestruturas sanitárias, de hospital condigno, de farmácia, de ambulâncias e até o único táxi existente está estacionado em Martim Longo, são entraves que tem de vencer. Dedica assim especial atenção ao melhoramento e criação de condições no Hospital da Misericórdia, que havia sido fundado por seu pai e onde acorrem inúmeros pacientes na procura de tratamento. Ministra também formação a alguns jovens que o auxiliam nas tarefas da medicina. 

O único auxílio que consegue (apenas durante três anos) é a presença do colega Manuel Brito, que está radicado em Martim Longo e que graças a uma leal e desinteressada colaboração, resolvem em conjunto os casos clínicos mais complicados, recorrendo frequentemente ao hospital da Mina de São Domingos, que detém razoáveis condições clínicas. 

A 7 de fevereiro de 1964 é nomeado médico municipal do primeiro partido de Alcoutim e no mês seguinte (18 de março) subdelegado de saúde do concelho. 

Nesta altura é o único profissional de saúde existente em todo o concelho, pelo que acorre frequentemente às populações mais longínquas, tarefa dificultada pelas péssimas condições das acessibilidades, onde as estradas são quase inexistentes ou encontram-se bastante degradadas. Nas deslocações utiliza a sua viatura particular, onde transporta também os doentes, fazendo alguns percursos em muares. 

Em 1971 é convidado pelo colega e amigo Emídio Sancho, para integrar a equipa do novel hospital da Misericórdia de São Brás de Alportel. Vacila muito na decisão de abandonar Alcoutim, tendo, contudo, aceitado, dado que não pode prejudicar a sua carreira profissional e a família, e principalmente por razões de saúde, porque padece de insuficiência renal. As tarefas que exerce e a sobrecarga de trabalho no concelho de Alcoutim têm afetado de sobremaneira a sua saúde, que se agrava aceleradamente. 

João Lopes Dias no consultório médico
Muda-se com a sua família para São Brás, assumindo as funções de médico municipal, a 12 de maio de 1971 (até 01/02/1977) e de diretor clínico do hospital três dias depois. 

Devido à sua transferência para fora do concelho de Alcoutim, passam a ser frequentes as deslocações de pessoas daqui oriundas a São Brás, com o intuito de receberem conselhos e serem tratadas por João Lopes Dias. 

Para acompanhar a evolução da medicina e adquirir conhecimentos noutras especialidades, frequenta vários cursos, entre os quais o de medicina sanitária, na delegação de Porto do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e o de B.C.G., no Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos de Coimbra.

Após o 25 de abril de 1974, propriamente a 31 de julho, demite-se do cargo de diretor clínico do hospital de São Brás, devido a atritos e incompatibilidades com alguns colegas, que pretendem restringir os cuidados de saúde às classes mais abastadas, enquanto João Dias defende sempre o acesso universal à saúde. Assiste-se então “ao mais espetacular movimento popular (…) em louvor de um médico”, conforme relata Emídio Sancho. “De todo o Algarve surgiram apoios à figura deste clínico, gente do campo, velhos médicos de aldeia, comerciantes, ciganos e desconhecidos enchiam-me a casa a apoiar o regresso do Dr. Dias. E quando regressou havia uma multidão e um tapete de flores frente ao pequeno hospital”. 

João Lopes Dias
Em janeiro desse ano é nomeado médico da valência materno-infantil do Centro de Saúde de São Brás e no ano seguinte médico dos Serviços Médico-Sociais do Distrito de Faro. A 5 de fevereiro de 1980 inicia as funções de delegado de saúde do concelho de São Brás, a título interino, e definitivamente no ano seguinte, até 30 de agosto, altura em que é escolhido para subdelegado e saúde do Centro de Saúde Distrital de Faro. Ascende ao lugar de autoridade sanitária do concelho de São Brás a 11 de julho de 1984 e de diretor do internato complementar de saúde pública do Centro de Saúde local em dezembro de 1985. 

Ao longo da sua vida, consequência da paixão que nutre por Alcoutim, torna-se um propagandista nato das suas belezas naturais e principalmente do rio Guadiana, o seu “porto de abrigo”, onde deleita o olhar sempre que pode e desfruta do merecido descanso. É habitual ver João Dias com amigos a navegar no Guadiana ou nas suas margens a desfrutar da paisagem. 

Após a aposentação, decide regressar a Alcoutim, reabilitando a casa de seus pais, onde havia nascido. Passa a desfrutar por mais tempo das qualidades ambientais de Alcoutim e a reivindicar de forma permanente melhoramentos locais, para benefício do concelho. O convívio com os amigos alcoutenejos intensifica-se, sendo frequente observá-lo em amena cavaqueira com Carlos Brito e Francisco Amaral, entre outros. 

A 13 de setembro de 1996 é agraciado pela Câmara Municipal de Alcoutim, presidida por Francisco Amaral, com a medalha municipal de mérito – grau prata, na área da saúde e solidariedade social, pelo papel desempenhado em prol da saúde dos alcoutenejos. 

João Lopes Dias agraciado pelo Município de Alcoutim
Falece em Faro a 13 de maio de 2007, sendo sepultado no cemitério de Alcoutim. Figura afável, cordial e conversadora, é admirado e acarinhado pelos alcoutenejos, constituindo o seu funeral uma das maiores manifestações de pesar realizadas na vila raiana. 

Nesse mesmo ano é homenageado pela Câmara Municipal de S. Brás de Alportel, que perpetua o seu nome na toponímia local.

A 25 de julho de 2012 a Câmara Municipal de Alcoutim delibera aprovar o topónimo Praça Dr. João Lopes Dias, pelo reconhecimento de uma vida dedicada aos outros.


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